Substituição tributária e reforma: o que a fraude no ICMS-ST nos obriga a enfrentar

29/08/2025

A substituição tributária para frente, como praticada no Brasil, nunca combinou com a natureza de um verdadeiro IVA. Ela rompe o princípio da neutralidade fiscal, gera cumulatividade e interfere em toda a cadeia produtiva. Gera um custo tributário indevido quando o fato gerador é realizado em valor menor que o antecipadamente recolhido, atrapalhando o fluxo de caixa.

 

A substituição tributária para frente, nos moldes em que é praticada no Brasil com o ICMS-ST, é uma particularidade bastante rara e até mesmo anômala em sistemas de Imposto sobre Valor Agregado (IVA) maduros pelo mundo afora.

 

Pelo princípio da neutralidade fiscal, o tributo não deve distorcer as decisões econômicas do contribuinte. Ora, a substituição tributária para frente faz mais que isso: praticamente pauta os preços finais ao consumidor, interferindo diretamente na atividade empresarial e na livre iniciativa.

 

A neutralidade fiscal é exercida através da não cumulatividade plena, ou seja, sem restrições à compensação de créditos com os débitos do imposto, para que o tributo flua por toda a cadeia produtiva, apenas passando pelo caixa das empresas até chegar ao consumidor final, que ficará com todo o ônus financeiro da exação. É como se o imposto devido no final da cadeia produtiva fosse fracionado por todos que participaram, mas sempre repassado no preço como crédito para o próximo adquirente até chegar ao consumidor final.

 

A substituição tributária mata tudo isso e o imposto vira despesa para todos na cadeia produtiva, interrompendo a sua fluição até o consumidor e desrespeitando os princípios da neutralidade e da não cumulatividade.

 

O imposto deveria fluir sem interrupções até o consumidor final. Mas não é isso o que acontece.

 

Mesmo com a reforma tributária, não revogaram o artigo 150, §7º da Constituição — que é justamente o dispositivo que permite esse modelo distorcido. O IVA, como se propõe no IBS e na CBS, prevê tributação no destino. E, nesse modelo, fazer substituição tributária para frente simplesmente não faz sentido. A lógica da tributação é onde está o consumidor final, não na origem da mercadoria.

 

Por isso, ainda que a reforma traga promessas de simplificação, já tem o Estado ventilando a possibilidade de criar uma “antecipação tributária” do IBS — o que, na prática, seria repetir a substituição tributária. E aí já começamos de novo toda a confusão. Em vez de superarmos as distorções, corremos o risco de institucionalizá-las novamente.

 

O ICMS-ST e a antecipação tributária são mecanismos que, embora simplifiquem a fiscalização para o Fisco, transferem a complexidade e o ônus para o contribuinte, além de comprometer a eficiência econômica. Ademais, a substituição tributária para frente oferece uma previsibilidade e antecipação de fluxo de caixa para os cofres públicos, o que é um atrativo forte para os gestores estaduais.

 

No caso específico da fraude no ICMS-ST revelada pela Operação Ícaro, é importante deixar claro: primeiro o contribuinte tem “retido” ou pago antecipadamente o ICMS que seria posteriormente devido sobre todas as operações realizadas na cadeia produtiva até o consumidor final e não consegue ter a imediata e preferencial restituição, conforme determina o §7º do artigo 150 da Constituição. O sistema apresenta somente dificuldades para o contribuinte conseguir a restituição, que lhe é um direito constitucional, para depois vender facilidades.

 

A ST oferece uma previsibilidade e antecipação de fluxo de caixa para os cofres públicos, o que é um atrativo forte para os gestores estaduais.

 

No meu modo de ver, combater fraude tributária é tecnicamente simples. A fiscalização já tem todas as informações: quanto a empresa faturou, quanto teve de despesa, quanto pagou de imposto. Basta acompanhar os dados no sistema. A dificuldade não é técnica, é política e institucional. Não adianta ter a melhor legislação se quem opera não tem interesse em facilitar a vida dos contribuintes.

 

Uma das formas mais efetivas de combater fraudes como a detectada pela Operação Ícaro é respeitar a neutralidade fiscal e a não cumulatividade para garantir crédito pleno. Se há não cumulatividade de verdade, a empresa não tem como ter saldo credor do imposto em médio prazo. Se tem, é porque está acumulando créditos em razão de algo errado na legislação dos nossos IVAs (ICMS, IBS e CBS).

 

Se o imposto deve fluir por toda a cadeia produtiva, permitindo o crédito pleno, e algum contribuinte estiver credor, deve ser fiscalizado. Não se justifica, nem se justificará, criar mecanismos de ressarcimento complicados, sujeitos à interpretação, ao favorecimento ou à liberação seletiva.

 

Por isso, digo e repito: a solução está na estrutura. Enquanto continuarmos insistindo em modelos como a substituição tributária para frente, que são incompatíveis com o IVA, vamos seguir enfrentando os mesmos vícios. Não é à toa que as fraudes continuam se repetindo. O sistema não corrige, apenas muda de nome. Importante a responsabilidade dos legisladores em não reproduzir os erros do passado.

Fonte: Conjur