STJ afasta incidência de Lei Maria da Penha sobre suposta agressão de mãe a filhos
A Lei Maria da Penha (11.340/2006) coíbe e previne a violência doméstica e familiar contra a mulher decorrente de ação ou omissão baseada no gênero. Ela não contempla, portanto, agressões em âmbito doméstico não relacionadas ao gênero da vítima, como as praticadas por uma mãe contra os filhos, sujeitos a um sistema específico de proteção.
Com esse entendimento, o ministro Ribeiro Dantas, do Superior Tribunal de Justiça, anulou uma decisão da Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de Caruaru (PE) que havia determinado a busca e apreensão dos filhos menores de idade de uma mulher acusada pelo ex-marido de agredi-los.
A diligência na casa dela havia tido fundamento na Lei Maria da Penha, após o pai das crianças, recém-separado da mãe delas, ter relatado ao juízo de primeiro grau um suposto histórico de agressões físicas e verbais por parte da mulher contra os filhos do casal.
O pai ainda relatou que mãe das crianças estaria na posse de uma arma de fogo sem autorização e acostou aos autos uma ata notarial que descreve o conteúdo de um vídeo de quatro anos antes que exibe uma suposta agressão dela.
Enquadramento legal
Ao julgar um Habeas Corpus impetrado pela mãe, o ministro Ribeiro Dantas pontuou que, há pouco mais de um ano, o casal optou pelo divórcio consensual, sem qualquer notícia do suposto comportamento agressivo da mulher.
Além disso, recentemente, havia sido proferida uma medida protetiva em favor da mulher para impor ao ex-marido a obrigação de distanciamento, fato que poderia ter chegado ao juízo de primeiro grau se tivesse ouvido o Ministério Público antes de deferir a medida de urgência, o que não ocorreu, conforme também escreveu o ministro.
Durante a busca na casa da mulher, em que as crianças foram levadas a mando do juízo de primeiro grau, também não foi encontrada arma de fogo alguma, nem qualquer outro objeto ilícito.
O ministro Ribeiro Dantas destacou, assim, o equívoco na aplicação da Lei Maria da Penha ao caso, tendo em vista que a suposta agressão perpetrada por uma mãe contra os filhos não se trata, necessariamente, de violência de gênero, como ficou evidente no episódio. Esse entendimento já havia sido aplicado anteriormente pelo STJ.
“O correto enquadramento legal do contexto fático narrado não consiste em mera formalidade, impactando de forma significativa a atuação de todos os atores públicos envolvidos (autoridade policial, Ministério Público, Judiciário, Conselho Tutelar), podendo interferir, inclusive, na própria competência jurisdicional”, disse o ministro.
Ele acrescentou ser cabível ao caso, em especial, a Lei 14.344/2022 e a Lei 13.431/2017. A primeira delas criou mecanismos de proteção à criança e ao adolescente contra a violência no ambiente doméstico, enquanto a segunda estabeleceu um sistema de garantias a essas vítimas ou testemunhas menores de idade em casos de violência.
“Assim, determinada a expedição de mandado de busca e apreensão, e implementadas medidas protetivas de urgência, com fundamento em legislação claramente inaplicável, por ausente a violência de gênero, resta evidenciada a ilegalidade da diligência realizada”, afirmou o ministro em uma liminar que anulou a busca e apreensão das crianças. Ele tornou a decisão definitiva 11 dias depois, para que os filhos possam voltar à casa da mãe.
Atuaram na causa os advogados Vamário Wanderley e Gabriela Brederodes, do escritório Brederodes & Wanderley Advogados Associados.
HC 866.933