Municípios não podem pagar honorários de êxito a escritório estrangeiro, decide Dino

15/10/2024

Contratos de risco com a administração pública, como os de honorários de êxito, não têm previsão legal. Sendo assim, qualquer contratação pública deve definir antecipadamente, de maneira clara e precisa, todos os direitos, obrigações e responsabilidades das partes.

Esse entendimento é do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal, que proibiu nesta segunda-feira (14/10) que municípios atingidos pelos desastres ambientais de Brumadinho (MG) e Mariana (MG) paguem honorários de êxito em ações movidas no exterior.

A decisão foi proferida em um pedido do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram) envolvendo ações apresentadas no exterior por municípios representados por escritórios estrangeiros, entre eles a banca britânica Pogust Goodhead.

Como mostrou a revista eletrônica Consultor Jurídico em junho, a banca representa cerca de 700 mil clientes brasileiros na Justiça do Reino Unido, entre pessoas físicas, pelo menos 46 municípios e organizações religiosas. Trata-se de um dos maiores litígios do Judiciário daquele país, envolvendo cerca de R$ 230 bilhões.

O escritório atua fora do Brasil em ação coletiva movida contra a mineradora anglo-australiana BHP e a Vale, controladoras da Samarco, pedindo indenizações por prejuízos causados pelo desastre de Mariana. O julgamento da ação coletiva está previsto para este mês.

Dino coloca freio

Segundo Dino, o Tribunal de Contas da União já decidiu que a administração pública não pode firmar contratos de pagamento de honorários de êxito, que só são cobrados pelos advogados contratados caso obtenham sucesso no processo. Em geral, a porcentagem é alta. Nos casos ambientais no exterior, estão em torno de 30% do valor da causa.

“Já decidiu o Tribunal de Contas da União, em sucessivos precedentes, constituírem as estipulações de êxito em contratos com a Administração Pública atos ilegais, ilegítimos e antieconômicos, ainda mais quando associados a elevadas taxas de retorno sobre o valor obtido em favor do Poder Público”, disse Dino na decisão.

“É pertinente a aferição quanto às condições em que Municípios brasileiros litigam diante de Tribunais estrangeiros, uma vez que este aspecto possui consequências para parcela do patrimônio público nacional e para a efetiva e integral reparação de danos perpetrados em solo brasileiro”, prosseguiu o ministro.

Além de barrar o pagamento dos honorários de êxito, Dino determinou que os municípios com ações judiciais no exterior apresentem os contratos firmados com os escritórios de advocacia.

Pogust Goodhead

A atuação da banca britânica Pogust Goodhead em ações envolvendo desastres ambientais no Brasil tem levantado suspeitas sobre possíveis violações ao Estatuto da Advocacia, como a captação de clientela com base em promessas de causa ganha, além de contratações irregulares de serviços jurídicos por parte de municípios. A ação coletiva envolvendo a BHP corre em Londres desde 2018, e o julgamento deve ter início em breve, a despeito de processos semelhantes estarem sob análise do Judiciário brasileiro.

O Ibram questiona no Supremo a participação de municípios no processo estrangeiro. Segundo a entidade, que representa o setor de mineração, a Constituição define como competência exclusiva do Senado autorizar operações financeiras no exterior, o que inclui litígios internacionais.

A atuação da banca britânica é motivo de uma representação de cinco escritórios de advocacia brasileiros perante a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Assinaram o pedido Machado Meyer, Mattos Filho, BMA, Sérgio Bermudes e ALNPP.

Os escritórios sustentam que o Pogust e seus parceiros obtiveram financiamento para aumentar os valores das causas. E também levantam suspeitas sobre a captação ativa de clientes. O processo ético-disciplinar que corre na OAB está sob sigilo. Em reportagem publicada pela ConJur em junho, especialistas criticaram a atuação da banca.

“Esse escritório vive de levantar dinheiro de fundos de investimento, fazendo a aposta de ganhar muito dinheiro com as ações, que são movidas em várias jurisdições. Ele tem ações na Alemanha, Holanda e a aposta dele é: eu movo a ação e o réu, para não enfrentar o processo inteiro, faz o acordo”, disse na ocasião o advogado Werner Grau, sócio do Pinheiro Neto Advogados.

Grau concorda com a ilegalidade das contratações pelos municípios. “O que o município recebe é verba pública. Como ele abre mão de 30% de receita pública em uma contratação em que não se fez licitação para a contratação de serviço jurídico?”, questionou.

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ADPF 1.178

Fonte: Revista Consultor Jurídico