Justiça dos EUA já se movimenta para reduzir pena de invasores do Congresso
Depois que a Suprema Corte dos EUA decidiu que os procuradores federais devem excluir a acusação de obstrução de procedimento oficial da lista de acusações contra 355 dos 1.427 invasores do Congresso, em 6 de janeiro de 2021, alguns tribunais federais começaram a marcar audiências, por iniciativa dos juízes ou a pedido dos réus, para examinar a redução das penas que lhe foram aplicadas — ou que ainda lhes seriam aplicadas, em alguns casos.
Blink O'fanaye/Flickr
Apoiadores de Donald Trump invadiram o Capitólio em 6 de janeiro de 2021
No entanto, procuradores do Departamento de Justiça (DoJ) pediram aos juízes um prazo de 30 a 60 dias para dar continuidade aos procedimentos, para que possam examinar mais profundamente a decisão da Suprema Corte e adotar uma linha de argumentação unificada, para apresentar aos juízes dos diversos tribunais federais que julgaram (ou ainda julgam) casos similares.
Os procuradores federais acreditam que a acusação de obstrução de procedimento oficial, derivada do fato de que os invasores interromperam o processo de certificação da vitória do presidente Joe Biden nas eleições de 2020, pode ser mantida no caso de alguns dos réus que, teoricamente, poderiam se livrar dela.
Os procuradores sustentam seu entendimento no voto separado da ministra Ketanji Brown Jackson, que concordou com a decisão da maioria, mas assinalou que, apesar disso, o autor da ação Joseph Fischer ainda pode ser acusado de obstrução de procedimento oficial – tal como outros tantos réus com casos semelhantes.
Para entender o contexto: os réus foram acusados de violar a lei “Sarbanes-Oxley Act”, de 2002, que impôs responsabilização criminal a…
(C) quem, corruptamente:
(C1) alterar, destruir, mutilar ou ocultar registro, documento ou outro objeto ou tentar fazê-lo, com a intenção de prejudicar a integridade ou disponibilidade do objeto para uso em um procedimento oficial; ou
(C2) ou de outra forma (otherwise) obstruir, influenciar ou interromper qualquer procedimento oficial ou tentar fazê-lo,
… [tal réu] deve ser multado de acordo com a lei ou ser preso por não mais de 20 anos ou ambos.
Discussão em torno de palavra
Toda a discussão girou em torno da palavra “otherwise”, que é comumente traduzida como “de outra forma, de maneira diferente, de outra maneira” — isso tornaria C1 e C2 coisas diferentes.
Porém, um juiz federal de primeira instância declarou que otherwise pode significar “de maneira similar” — isso tornaria C2 apenas um esclarecimento de C1, dentro de uma “interpretação restritiva” da lei.
Ou seja, a palavra otherwise interliga a subseção 2 à subseção 1, e tudo passa a se referir apenas a “registro, documento ou outro objeto” — e não à invasão do Congresso.
Mas o Tribunal Federal de Recursos do Distrito de Colúmbia decidiu que era preciso fazer uma “interpretação extensiva”, do tipo: a lei incrimina apenas a bigamia, mas, por extensão, também se aplica à poligamia. Assim, a subseção C2 se aplicaria ao caso.
O presidente da Suprema Corte, ministro John Roberts (que foi o relator do voto vencedor) ficou com a “interpretação restritiva”.
“Para determinar o escopo da cláusula residual em C2, a corte deve decidir como ‘otherwise’ se liga às palavras circundantes e dar efeito, se possível, a toda a cláusula e palavras da lei. A corte considera tanto o contexto específico em que C2 aparece e o contexto mais amplo da lei como um todo”, ele escreveu.
Assim, de acordo com Roberts, “a lei deve ser aplicada apenas a réus cujas ações danificam a integridade de provas físicas”. Em outras palavras, a lei se aplica a quem “alterar, destruir, mutilar ou ocultar registro, documento ou outro objeto para uso em procedimento oficial ou tentar fazê-lo. Nesse caso, a lei não se aplica à invasão do Congresso.
Destruição de documentos
Até aí, tudo bem, explicou a ministra Ketanji Brown Jackson em seu voto separado. No entanto, o procedimento oficial, que foi interrompido pelos invasores, continha documentos, tais como os votos dos delegados do Colégio Eleitoral e os certificados que confirmaram a vitória de um ou outro candidato em cada estado.
Nesse caso, os juízes dos tribunais federais terão de examinar se os réus tentaram “destruir” esses documentos, “com a intenção de prejudicar a integridade ou disponibilidade do objeto para uso em um procedimento oficial”, explicou a ministra.
O fato é que os congressistas e funcionários do Congresso tiveram de se refugiar em uma área protegida do prédio e, ao fazê-lo, levar com eles todos os documentos que comprovavam os votos dos delegados e as certificações estaduais, para que não fossem destruídos.
O ex-presidente Donald Trump também foi acusado de obstrução de procedimento oficial, entre outras acusações. Ele não invadiu o Congresso e, portanto, não participou de qualquer tentativa para destruir documentos.
No entanto, a decisão da Suprema Corte assegurou que um réu pode ser acusado de criar provas falsas, em vez de alterar provas incriminadoras. Trump tentou convencer algumas autoridades eleitorais a enviar para o Congresso certificados falsificados, que o declarariam vitorioso em estados onde perdeu as eleições.