Controle de qualidade e arranjo federativo desafiam vitória do SUS, diz Flávio Dino
Para o ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal, a epidemia da Covid-19 trouxe como consequência a vitória do Sistema Único de Saúde (SUS). O que até então se discutia, sobre sua substituição por um sistema de vouchers e planos populares, hoje não é mais pauta. Porém, ainda restam problemas, como a falta de um controle de qualidade e de um arranjo federativo apropriado.
Esses apontamentos se inserem no diagnóstico sobre a hiperjudicialização da saúde no Brasil e foram feitos em um evento destinado a atacar esse problema: a I Jornada de Direito da Saúde, organizada pelo Conselho da Justiça Federal.
Dino falou com propriedade porque, nos tempos de epidemia da Covid-19, era governador do Maranhão. Em sua análise, não há dúvidas de que o SUS saiu vitorioso. Esse triunfo, no entanto, ainda tem pontos a serem ajustados.
O primeiro deles é a falta de mecanismos de controle de qualidade, embora o SUS seja a primeira experiência prática do federalismo cooperativo no Brasil — sua operação é de responsabilidade solidária da União, dos estados e dos municípios, em repartição de competência.
O sistema de educação, por exemplo, tem um robusto sistema de avaliação, coisa que não existe para avaliar hospitais e serviços públicos e privados de saúde. Essa pauta já está no Congresso, por iniciativa justamente de Dino.
Nos 22 dias que ficou no Senado, entre sua saída do cargo de ministro da Justiça e Segurança Pública e a posse como ministro do STF, ele propôs o PL 287/2024, que cria esse sistema de avaliação, que ajudaria a orientar as ações públicas, com impacto na judicialização.
Arranjo federativo
Outro desafio já está bastante judicializado: fazer o devido arranjo federativo para decidir quem precisa fornecer e pagar remédios e tratamentos exigidos pela população. A discussão está sendo feita no Tema 1.234 da repercussão geral, no STF.
Como já mostrou a revista eletrônica Consultor Jurídico, há um vaivém de ações baseado na discussão sobre a quem processar para obter um remédio ou tratamento ainda não incorporado ao SUS.
Se a ação for contra a União, precisa ser proposta na Justiça Federal. Se for contra estado ou município, deve tramitar na Justiça estadual. A falta de definição tem feito com que juízes suscitem conflitos de competência, atrasando decisões. O STF está tratando do tema de maneira conciliatória.
“Nós avançamos bastante, creio, mas temos dúvidas dramáticas. Temos uma dúvida sobre quem paga a conta. E temos o advento das emendas ao orçamento da União sobre saúde. Isso pode levar a vitórias e a problemas”, destacou Dino em sua palestra.
Por fim, outro problema destacado pelo ministro foi o das fake news sobre saúde, com impacto severo, por exemplo, nos níveis de cobertura de vacinação nas crianças, em queda no país.
“Essa é uma questão jurídica. É claro que é uma questão também de cultura, política, de persuasão, mas é também uma questão de Direito Sancionatório. Porque o sistema jurídico há de servir para salvar vidas”, defendeu ele.
O efeito da desinformação sobre questões de saúde, na opinião do ministro, é um dos maiores fatores a justificar a necessidade de regulação das mídias. Principalmente porque hoje há quem confie mais nas ferramentas tecnológicas do que nos próprios sentidos e experiências.
“Outros países fizeram mais ou fizeram menos, democraticamente ou não, mas fizeram. E, no Brasil, qualquer ideia de prestação de contas é vista como censura. E isso é uma questão de estatura constitucional.”