Juízo sobre a pertinência temática de associação para litigar deve ser flexível

10/08/2022

A análise da pertinência temática de uma associação para proposição de ação civil pública deve ser responsavelmente flexível e amplo, de modo a potencializar o princípio do acesso à Justiça e conferir máxima efetividade aos direitos fundamentais.

Com essa orientação, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça concluiu que a Associação Brasileira de Defesa dos Consumidores de Planos de Saúde (Abracon) é parte legítima para ajuizar ação para obrigar a Montevérgine a informar em seus produtos alimentícios que a presença de glúten pode prejudicar a saúde das pessoas com doença celíaca.

O pedido foi julgado improcedente pelas instâncias ordinárias, que concluíram que o mero aviso "contém glúten" é suficiente para alertar aqueles que não podem ingeri-lo. No STJ, o ministro Luís Felipe Salomão deu provimento ao recurso para determinar que a empresa alerte especificamente os portadores da doença celíaca.

Foi só então que a empresa ré chamou a atenção para a ilegitimidade da Abracon para fazer tal pedido. A doutrina e a jurisprudência dos tribunais brasileiros exige que, para ajuizamento de ação civil pública, a associação deve ter a chamada pertinência temática com o objetivo que busca no Judiciário.

Critério benevolente
Relator, o ministro Salomão citou julgamento da própria 4ª Turma (REsp 1.357.618), que reconheceu a possibilidade de a Abracon, na defesa dos consumidores de planos de saúde, mover ação em defesa dos portadores da doença celíaca.

Isso porque a Abracon tem possui entre seus fins institucionais a promoção da segurança alimentar e nutricional, assim como a melhoria da qualidade de vida, especialmente no que diz respeito a qualidade de produtos e serviços.

Essa interpretação parte da premissa de que, para ajuizar ação civil pública, não é preciso existir uma associação com esse fim específico. A ideia é que o critério usado para verificação da pertinência temática seja "responsavelmente flexível e amplo".

Um MP privado
Abriu divergência e ficou vencido isoladamente o ministro Raul Araújo, para quem o caso da Abracon extrapolou os limites da pertinência temática. Para ele, uma análise do estatuto social da associação a coloca como instituição de fins demasiadamente genéricos.

É uma entidade que se propõe melhorar a legislação de defesa do consumidor, fazer oposição ao abuso do poder econômico nas relações de consumo, melhorar a qualidade de vida em prol do meio-ambiente, atuar para melhoria do mercado de consumo, fiscalizar a atuação e gasto dos entes públicos, promover a segurança alimentar e nutricional e promover a ética, a paz, a cidadania, os direitos humanos, a democracia e outros valores.

"A Abracon estaria, então, legitimada a ingressar com demandas coletivas para a defesa de praticamente quaisquer interesses tuteláveis por essa via, assumindo feições de uma espécie de Ministério Público privado, sempre legitimado a propor ações coletivas em defesa de interesses difusos e coletivos", disse o ministro Raul.

Para ele, o estatuto não demonstra, de forma clara, qual principal interesse a entidade pretende defender institucionalmente. Logo, é parte ilegítima para mover ação civil pública contra a empresa alimentícia.

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REsp 1.788.290

Fonte: Conjur