Economia é ferramenta fundamental para analisar normas jurídicas

14/11/2019

Por vezes tenho visto, em alguns artigos e eventos, um certo preconceito — por assim dizer — de juristas com relação à economia. Curiosamente, não enxerguei o mesmo no que tange à sociologia e outras tantas ciências. Parece que, em grande medida, esse sentimento se acentuou com a Lei da Liberdade Econômica (Lei 13.874/2019). Mas, vejo que noções de economia precisam ser desatadas.

A Economia é chamada por alguns de “dismal science” (ciência lúgubre) por lidar com a escassez, ou seja, com a confrontação de desejos ilimitados, de um lado, e recursos finitos, de outro. Ela não trata, exclusivamente, de questões financeiras ou contábeis. Ela estuda os comportamentos e a valoração que damos para diversa questões e coisas da vida. Estuda, também, a organização dos meios de produção e os mais diversos mercados.

Não se trata, portanto, de uma ciência meramente numérica ou quantitativa. A economia se preocupa com o aspecto qualitativo da sociedade e não é alheia às preferências individuais.

Mesmo havendo um pressuposto de racionalidade na decisão econômica, calcada na expressão surrada, e, por vezes, mal interpretada, de custo-benefício, as escolhas, na grande maioria das vezes, pouco têm relação com questões de cunho financeiro. Por exemplo, para a economia, é perfeitamente racional a decisão de um executivo em largar tudo e partir para uma vida mais modesta em uma pequena propriedade, cultivando produtos orgânicos. Ele trocou a possibilidade de ganhos financeiros por uma vida próxima à natureza.

Não fosse só isso, a Behaviour Economics também apresenta um belíssimo tempero para a análise econômica, ajudando a compreensão de comportamentos que fogem do pressuposto lógico-racional puro. Veja-se, nesse sentido, a advertência de Richard Thaler, que foi laureado com o Nobel de Economia em 2017:

Há quatro décadas, desde o meu tempo de estudante de pós-graduação, venho me ocupando com relatos que contenham alguma das infinitas maneiras pelas quais pessoas reais diferem das criaturas ficcionais que habitam os modelos econômicos. Nunca foi minha intenção dizer que há algo de errado com as pessoas; nós somos apenas seres humanos — Homo sapiens. Na verdade, o problema está no modelo usado pelos economistas, um modelo que substitui o Homo sapiens por uma criatura ficcional chamada Homo economicus, que gosto de chamar abreviadamente de Econ. Em comparação com esse mundo imaginário de Econs, os Humanos incidem em vários desvios, e isso significa que os modelos econômicos fazem uma porção de previsões ruins, que podem ter consequências muito mais sérias do que aborrecer um grupo de estudantes. (Thaler, Richard H.. Misbehaving. Intrínseca. Kindle Edition.)

Thaler não nega a ciência econômica, mas apresenta uma humanização usando a Psicologia Social. Pois bem. Quem disse que Economia é apenas um mundo frio de números parece estar equivocado. Esse equívoco, todavia, vem de uma negação ao que Adam Smith — o pai da Economia — escreveu em A teoria dos sentimentos morais, onde se defende que a Psicologia Social é mais importante que a razão para explicar o comportamento humano. Deirdre McCloskey, professora de Economia da Universidade de Chicago, constantemente recorre ao pensamento de Adam Smith para falar do que se vem convencionando chamar de humonomics.

Nessas poucas linhas, de modo genérico, acho que já consegui fazer o ponto de que a economia não é, per se, uma ciência de números frios. Com essa desmistificação, podemos reconhecer a Ciência Econômica como uma ferramenta fundamental para analisar as normas jurídicas. Principalmente, considerando que diversos conceitos da dismal science estão na Lei da Liberdade Econômica. Chamem-me de ingênuo, mas não acredito em hierarquia acadêmica entre Direito e Economia. Na realidade, acredito piamente que são ciências correlatas e complementares que interagem nos permitindo buscar os melhores resultados para a sociedade. Apesar das fricções acadêmicas iniciais, acredito que a Lei da Liberdade Econômica — com um pouco de boa vontade — poderá intensificar as pontes de conhecimento do Law & Economics no Brasil.

Fonte: Por: Leonardo Corrêa / Consultor Jurídico