Uso de créditos tributários para compensar parcelamentos rescindidos
A tributação brasileira, de notória complexidade, exige do contribuinte permanente vigilância e contínuo exercício de interpretação normativa. Dentro desse cenário, merece relevo a recente Solução de Consulta Cosit nº 180/2025, na qual a Receita Federal enfrentou questão de relevante interesse prático: a possibilidade de utilização de créditos tributários reconhecidos judicialmente para compensar débitos originados de parcelamentos rescindidos.
O artigo 74, § 3º, inciso IV, da Lei nº 9.430/1996, com clareza meridiana, estabelece a impossibilidade de compensação com débitos incluídos em qualquer modalidade de parcelamento. A regra foi integralmente reproduzida no artigo 76, inciso III, da Instrução Normativa RFB nº 2.055/2021, conformando um sistema normativo de vedação aparentemente absoluto.
Ademais, a Emenda Constitucional nº 113/2021, ao introduzir no artigo 100, § 11, da Constituição a previsão de que créditos reconhecidos judicialmente poderiam ser utilizados para a quitação de débitos parcelados ou inscritos em dívida ativa, gerou fundada expectativa no meio empresarial. Entretanto, a interpretação firmada pelo Supremo Tribunal Federal, na ADI nº 7064, foi no sentido de que referido dispositivo carece de autoaplicabilidade no âmbito da União, demandando lei regulamentadora para sua eficácia plena.
Ocorre, todavia, que a Receita, em prudente exegese, consignou distinção relevante: a vedação legal incide apenas enquanto o parcelamento se encontra ativo. Uma vez rescindido o acordo — seja pela inadimplência do contribuinte, seja por outra causa legal —, o débito retorna ao status de exigibilidade plena, com restauração dos acréscimos moratórios e penalidades que haviam sido reduzidos.
Nessa circunstância, não subsiste a vedação do artigo 74, § 3º, IV, da Lei nº 9.430/1996, de sorte que a compensação, com créditos devidamente habilitados e reconhecidos em decisão transitada em julgado, torna-se juridicamente possível.
É nesse contexto que se revela a importância da denominada revisão fiscal. Trata-se de mecanismo de controle e reavaliação da relação jurídico-tributária, por meio do qual o contribuinte pode identificar exações inconstitucionais ou ilegais a que foi submetido.
Exemplos paradigmáticos não faltam na jurisprudência pátria:
a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins (Tema 69 do STF);
a não incidência de contribuições sobre determinadas parcelas trabalhistas de natureza indenizatória;
o reconhecimento de que determinadas bases de cálculo foram majoradas em ofensa ao princípio da legalidade estrita (artigo 150, I, da Constituição).
As decisões favoráveis nessas matérias, uma vez transitadas em julgado, geram créditos que, se habilitados administrativamente, podem servir não apenas à compensação de tributos correntes, mas também — como agora reafirmado pela Receita Federal — à quitação de dívidas oriundas de parcelamentos rescindidos.
A interpretação administrativa recém-publicada, ao afastar a vedação da compensação nos casos de parcelamento rescindido, representa avanço no equilíbrio da relação fisco-contribuinte. Reconhece-se, em última análise, que o crédito judicialmente reconhecido tem a mesma densidade normativa que o tributo regularmente exigido, impondo-se, por razões de justiça fiscal, a possibilidade de compensação.
É, portanto, mais uma demonstração de que a revisão fiscal não se limita a identificar créditos potenciais, mas constitui verdadeira estratégia de gestão tributária, apta a preservar a liquidez das empresas em momentos de crise e a assegurar o respeito aos princípios constitucionais da legalidade, da isonomia e da capacidade contributiva.
Em suma, se é verdade que a carga tributária brasileira permanece excessiva e complexa, também é certo que o ordenamento, bem interpretado e aplicado, oferece instrumentos de racionalidade. Cabe ao contribuinte, com assessoria qualificada, fazer valer seus direitos, sob pena de permanecer em desvantagem em um jogo no qual as regras, por vezes, parecem favorecer unicamente o fisco.