Tribunal dos Estados Unidos julga legalidade de buscas reversas no Google

05/05/2023

O Tribunal Superior do Colorado começou a julgar nesta quinta-feira (4/5) um caso sem precedentes nos Estados Unidos: a polícia de Denver usou um método de buscas reversas no Google para descobrir suspeitos de um crime de incêndio que matou uma família de cinco pessoas na cidade em 2020.

São definidas como "buscas reversas" as que se opõem às "buscas normais" em investigações. Em uma busca normal, a polícia tem um suspeito e procura no Google informações que possam incriminá-lo. Em uma busca reversa, a autoridade policial não tem um alvo, mas coloca informações disponíveis no Google para tentar identificar possíveis suspeitos.

No caso perante o tribunal superior do estado de Colorado, a polícia de Denver, que investigava a morte no incêndio de três adultos, uma menina de dois anos e um bebê de seis meses, pesquisou no Google quem buscou o endereço da família senegalesa que vivia no bairro de Green Valley Ranch.

Inicialmente, apareceram milhares de resultados. Mas, na sequência da caçada digital aos criminosos, a polícia conseguiu chegar a três adolescentes, em janeiro de 2021: Kevin Bui, Gavin Seymour e Dillon Siebert — os dois primeiros com 16 anos e o terceiro com 15 no dia da detenção.

Kevin Bui pensou equivocadamente que o telefone celular que lhe foi roubado estava na casa dos senegaleses, e decidiu se vingar. Ele usou o aplicativo Find my iPhone para rastrear seu aparelho. Os adolescentes, que usaram máscaras, jogaram gasolina dentro da casa e provocaram o incêndio. E só descobriram que incendiaram a casa errada depois que o estrago já estava feito, de acordo com os autos de prisão.

O garoto de 15 anos, julgado em um tribunal juvenil, fez um acordo de admissão de culpa e foi sentenciado a sete anos de prisão — e mais uma pena suspensa de 26 anos, se violar os termos da sentença. Os de 16 anos serão julgados como adultos, a partir do próximo dia 26.

Legalidade das buscas
A polícia obteve um mandado judicial de busca por palavras-chave no Google. E a defesa dos dois adolescentes de 16 anos contestou a legalidade da busca reversa, com o argumento de que ela viola a 4ª Emenda da Constituição, que protege suspeitos contra buscas e apreensões não razoáveis e determina que mandados judiciais só podem ser expedidos se houver causa provável de crime.

A defesa também alegou que a busca violou a "expectativa razoável de privacidade" dos réus, por pesquisar a história de suas pesquisas no Google, e infringiu seus direitos de propriedade ao acessar dados de suas contas na plataforma. Com isso, pediu para serem suprimidas provas obtidas no Google, bem como as conseguidas nos celulares e nas contas de mídia social dos adolescentes.

No julgamento em primeira instância, o juiz Martin Egelhoff decidiu a favor da legalidade do mandado de busca reversa por palavras-chave. Ele argumentou que os mandados foram específicos, estritos, fundamentados em causa provável e em procedimentos corretos. E rejeitou as alegações de violação de privacidade.

Para o professor da Faculdade de Direito da Universidade de Denver Ian Farrell, esse "é um caso fascinante" para o Tribunal Superior do Colorado e, possivelmente, para a Suprema Corte dos EUA resolverem.

"É um exemplo clássico de disputas que chegam aos tribunais quando se tem documentos (como as Constituições dos EUA e dos estados) escritos nas décadas de 1780 e 1790 que devem ser aplicados à tecnologia digital da atualidade."

Fonte: Revista Consultor Jurídico - Por João Ozorio de Melo