O novo ISS das gestoras de recursos

12/12/2017

É provável que os contribuintes tenham que se valer de medidas judiciais para não recolher o mesmo tributo para dois municípios

Com a derrubada do veto presidencial ao inciso XXIV da Lei Complementar nº 157/2016, os prestadores de serviços de assessoria, consultoria financeira e de gestão de carteira de investimentos passaram a ter que recolher o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) ao município do tomador do serviço. Antes da LC 157, o imposto deveria ser recolhido no município aonde os serviços eram prestados.

A mudança trouxe inúmeras incertezas às gestoras e administradoras de recursos de terceiros.

A primeira delas consiste em qual município estaria localizado o tomador de serviços no caso de prestação de serviços de gestão e administração de fundos de investimento. Para nós, não há dúvidas que o tomador dos serviços é o próprio fundo de investimentos, pois é ele, de acordo com a legislação, quem contrata os serviços de administração e gestão. O domicílio do fundo é o mesmo do administrador, que o representa ativa e passivamente.

Não deveria prosperar a tese já defendida por alguns de que o tomador é o cotista. O cotista não faz parte da relação jurídica da prestação de serviços. Ele não contrata os serviços, nem a ele são faturados. Não é relevante o fato de o fundo não ter personalidade jurídica, pois isso não afasta a possibilidade de ser o tomador de serviços. Veja-se inúmeros outros exemplos de entidades sem personalidade jurídica que são partes em contratos e que tem, inclusive, capacidade processual.

A segunda questão relevante é quando a mudança deve ser aplicada, ou seja, quando o ISSQN deve deixar de ser recolhido ao município do prestador de serviços e passar a ser recolhido no município do tomador.

Muitos têm entendido que se aplica o princípio constitucional da anterioridade, o qual estabelece que não podem ser cobrados tributos no mesmo exercício que foram instituídos ou majorados. Mas a pergunta que se deve colocar é se, de fato, houve instituição ou aumento de tributo com as alterações promovidas pela LC 157. A princípio, caso não haja majoração da alíquota do imposto por lei municipal, nos parece que não houve instituição e nem aumento de tributo. Portanto, terá a referida lei municipal aplicabilidade a partir da data da sua publicação.

Parece-nos que o entendimento acima descrito foi adotado em particular pelos municípios do Rio de Janeiro e São Paulo, por meio de suas respectivas leis municipais nº 6.263 de 11 de outubro de 2017 e nº 16.757, de 14 de novembro de 2017, na medida em que a lei carioca só entrará em vigor em 14 de janeiro de 2018, por ter majorado a alíquota de 2% para 5% e a lei paulistana, apesar de ter entrado em vigor na data de sua publicação, colocou como exceção à regra, justamente as hipóteses em que houve majoração de alíquota, o que não ocorreu no caso dos serviços de gestão de fundos de investimentos, que permanecem com alíquota de 2%.

Outro ponto relevante é que, passados alguns meses da nova lei, diversos municípios ainda não alteraram suas normas para se adaptarem à Lei Complementar 157/2016. Isso coloca o contribuinte em situação delicada, podendo ser fiscalizado e autuado pelo não recolhimento do ISSQN no município onde o serviço é por ele prestado, em razão da inércia do legislador municipal e da consequente aplicação indevida da legislação municipal promulgada com base na LC 116/2003, antes das alterações promovidas pela Lei Complementar nº 157.

Assim, no caso sob análise, a partir do momento em que a LC 157 altera o sujeito ativo da relação jurídico-tributária, no caso, para determinar que o ente tributante é aquele onde está localizado o tomador dos serviços, devem os municípios procederem as necessárias adequações em suas leis, sob pena de exigirem tributo sem amparo legal e, consequentemente, constitucional.

Até que os municípios editem novas leis para se adequar às alterações promovidas pela LC 157/16, os gestores dos fundos de investimento devem ficar atentos, pois, em tese, não devem recolher o ISSQN ao município onde está localizado o seu estabelecimento, por falta de competência deste, e nem ao município do tomador dos serviços, por ausência de lei municipal regulamentando referida cobrança.

Aliás, já se tem notícia de decisões liminares afastando a cobrança do ISSQN nos municípios nos quais estejam localizados os prestadores de serviços, seguindo a mesma lógica que discutimos acima.

É evidente que, diante do binômio ânsia arrecadatória-incerteza, é provável que os contribuintes tenham que se valer de medidas judiciais para que não fiquem descobertos, evitando, assim, que se vejam obrigados a recolher o mesmo tributo, decorrente de um único fato gerador para dois municípios, com o objetivo de se evitar possíveis autuações.

Os contribuintes também devem ficar atentos para a possibilidade de requererem, judicialmente, a restituição do ISSQN pago ao município incompetente, após a entrada em vigor da LC 157 conforme modificada pela queda dos vetos presidenciais.

Por Fernando Linhares e Felipe Demori Claudino - advogados do Rolim de Mello Sociedade de Advogados.
 

Fonte: Valor Econômico